Desde meio do mês que pretendo escrever este post. Por vários motivos, adiei. Para começar, porque o tema surgiu a propósito de um episódio da
Anatomia de Grey, episódio esse que se prolongou por 3 partes, a última das quais transmitida esta noite. Depois, porque fui reflectindo na arrogância daquilo que classificamos como comportamentos correctos e na facilidade que temos em julgar os outros, como se fôssemos donos da verdade.
A verdade. Já escrevi sobre a verdade algumas vezes, pelo que não me vou alongar muito sobre ela. A verdade é relativa; em nome das nossas
verdades, julgamos saber tudo e achamo-nos muitas vezes dotados do poder de apontar o dedo e atirar pedras a outros que não pensam como nós nem agem como nós achamos que agiríamos se estivéssemos no seu lugar. Fazemos futurologia e atiramos palpites com demasiada facilidade, esquecendo que somos sempre mais permissivos connosco.
O amor. Também já escrevi sobre o amor. O amor torna-nos diferentes: capazes de abraçar este mundo e o outro, quando corre bem; capazes de virar o universo, quando corre mal. Salvo raras excepções, poucos de nós vivem o amor maioritariamente altruísta, despojado de sentimentos menores lá pelo meio. Fazemos, em nome do amor, coisas que não lembram a ninguém, nem a nós, se não amássemos. Ultrapassamos limites, cruzamos fronteiras, mergulhamos em partes de nós que desconhecíamos ter. Queremos ser amados, genericamente. Somos seres gregários e precisamos de afecto. Queremos ser amados por aqueles que amamos. E quando amamos, achamos sempre que as coisas farão mais sentido se aquela pessoa estiver ao nosso lado. Com as suas virtudes (enormes) e defeitos (irrisórios), a pessoa que nos vibra uma determinada corda é a pessoa mais fantástica que existe e faremos o que for preciso para a ter e/ou conservar. Ser amado é ser especial, por isso o desejamos tanto. O brilhozinho nos olhos do outro, o reconhecimento das nossas qualidades mais secretas, o nó na garganta e as borboletas no estômago que precedem o revirar da nossa intimidade emocional e física são sensações únicas e sempre novas. Preciosas. Mágicas. Eternas.
Na
Anatomia de Grey, Izzie apaixonou-se Denny, um paciente candidato a um transplante cardíaco. Por ela, por ele, pela opção de um futuro a dois, fez uma escolha questionável: fazê-lo piorar, falsear o estado dele, de forma a que ele obtivesse um coração. Conseguiu o coração. Prejudicou a sua carreira e encontrou o amor. Denny morreu, apesar de tudo. Porque, ao contrário do que sentimos quando amamos, não temos super-poderes. Podemos dar tudo de nós e ter sorte, mas podemos perder em toda a linha. Isso também faz parte do amor, por muito doloroso que seja.
Meredith ama Derek. Derek ama Meredith. Pelo meio, fica Addison, a mulher dele, que o traiu com o seu melhor amigo, como medida extrema para obter a sua atenção. Por dever, por fé, por algum amor, Derek decidiu ficar com Addison, mesmo amando Meredith. O problema é que as escolhas nem sempre são fáceis de gerir, sobretudo quando a opção que preterimos está ali tão a jeito, lembrando-nos que poderíamos estar numa situação diferente. As maldades que nos fazemos e fazemos àqueles que amamos deixam cicatrizes. A culpa pesa toneladas. E o amor pode ter mais de um rosto em simultâneo, sim. O truque é assumir uma decisão, sem olhar para trás, porque a contemplação do passado rouba-nos o presente e a oportunidade de futuro.
Cristina ama Burke e é amada por ele. Mas não sabe lidar com a ligação a outra pessoa, porque acredita que terá de prescindir de si. Quando Burke é ferido e a sua vida e carreira correm perigo, Cristina foge, acreditando que, dessa forma, se preservará da dor. Só o carácter definitivo da perda de Izzie a faz entender que ter um amor com sequelas e desafios é preferível a não o ter de forma nenhuma.
Ao fim e ao cabo, o amor é uma experiência, com toda a sorte de imponderáveis. Educativo, surpreendente, desafiante, às vezes penoso: o amor é tudo isso e muito mais. Podemos escolher como queremos vivê-lo e decidir onde são os nossos limites. Podemos fugir dele, mas não podemos fingir que não existe. E diante dele, devemos ter a humildade suficiente para saber que não sabemos tudo, mesmo sobre nós, e que as circunstâncias nos levam a agir de formas estranhas e até reprováveis. Eu sou apologista de ir a jogo, sempre -
se perder, que seja por muito, porque é sinal que tentei tudo e lutei até ao fim. Aquilo que deixámos de fazer por medo ou vergonha pode pesar-nos mais do que aquilo que fizemos e correu mal.