30 abril 2008

Ensaio sobre o amor

Desde meio do mês que pretendo escrever este post. Por vários motivos, adiei. Para começar, porque o tema surgiu a propósito de um episódio da Anatomia de Grey, episódio esse que se prolongou por 3 partes, a última das quais transmitida esta noite. Depois, porque fui reflectindo na arrogância daquilo que classificamos como comportamentos correctos e na facilidade que temos em julgar os outros, como se fôssemos donos da verdade.
A verdade. Já escrevi sobre a verdade algumas vezes, pelo que não me vou alongar muito sobre ela. A verdade é relativa; em nome das nossas verdades, julgamos saber tudo e achamo-nos muitas vezes dotados do poder de apontar o dedo e atirar pedras a outros que não pensam como nós nem agem como nós achamos que agiríamos se estivéssemos no seu lugar. Fazemos futurologia e atiramos palpites com demasiada facilidade, esquecendo que somos sempre mais permissivos connosco.
O amor. Também já escrevi sobre o amor. O amor torna-nos diferentes: capazes de abraçar este mundo e o outro, quando corre bem; capazes de virar o universo, quando corre mal. Salvo raras excepções, poucos de nós vivem o amor maioritariamente altruísta, despojado de sentimentos menores lá pelo meio. Fazemos, em nome do amor, coisas que não lembram a ninguém, nem a nós, se não amássemos. Ultrapassamos limites, cruzamos fronteiras, mergulhamos em partes de nós que desconhecíamos ter. Queremos ser amados, genericamente. Somos seres gregários e precisamos de afecto. Queremos ser amados por aqueles que amamos. E quando amamos, achamos sempre que as coisas farão mais sentido se aquela pessoa estiver ao nosso lado. Com as suas virtudes (enormes) e defeitos (irrisórios), a pessoa que nos vibra uma determinada corda é a pessoa mais fantástica que existe e faremos o que for preciso para a ter e/ou conservar. Ser amado é ser especial, por isso o desejamos tanto. O brilhozinho nos olhos do outro, o reconhecimento das nossas qualidades mais secretas, o nó na garganta e as borboletas no estômago que precedem o revirar da nossa intimidade emocional e física são sensações únicas e sempre novas. Preciosas. Mágicas. Eternas.

Na Anatomia de Grey, Izzie apaixonou-se Denny, um paciente candidato a um transplante cardíaco. Por ela, por ele, pela opção de um futuro a dois, fez uma escolha questionável: fazê-lo piorar, falsear o estado dele, de forma a que ele obtivesse um coração. Conseguiu o coração. Prejudicou a sua carreira e encontrou o amor. Denny morreu, apesar de tudo. Porque, ao contrário do que sentimos quando amamos, não temos super-poderes. Podemos dar tudo de nós e ter sorte, mas podemos perder em toda a linha. Isso também faz parte do amor, por muito doloroso que seja.
Meredith ama Derek. Derek ama Meredith. Pelo meio, fica Addison, a mulher dele, que o traiu com o seu melhor amigo, como medida extrema para obter a sua atenção. Por dever, por fé, por algum amor, Derek decidiu ficar com Addison, mesmo amando Meredith. O problema é que as escolhas nem sempre são fáceis de gerir, sobretudo quando a opção que preterimos está ali tão a jeito, lembrando-nos que poderíamos estar numa situação diferente. As maldades que nos fazemos e fazemos àqueles que amamos deixam cicatrizes. A culpa pesa toneladas. E o amor pode ter mais de um rosto em simultâneo, sim. O truque é assumir uma decisão, sem olhar para trás, porque a contemplação do passado rouba-nos o presente e a oportunidade de futuro.
Cristina ama Burke e é amada por ele. Mas não sabe lidar com a ligação a outra pessoa, porque acredita que terá de prescindir de si. Quando Burke é ferido e a sua vida e carreira correm perigo, Cristina foge, acreditando que, dessa forma, se preservará da dor. Só o carácter definitivo da perda de Izzie a faz entender que ter um amor com sequelas e desafios é preferível a não o ter de forma nenhuma.

Ao fim e ao cabo, o amor é uma experiência, com toda a sorte de imponderáveis. Educativo, surpreendente, desafiante, às vezes penoso: o amor é tudo isso e muito mais. Podemos escolher como queremos vivê-lo e decidir onde são os nossos limites. Podemos fugir dele, mas não podemos fingir que não existe. E diante dele, devemos ter a humildade suficiente para saber que não sabemos tudo, mesmo sobre nós, e que as circunstâncias nos levam a agir de formas estranhas e até reprováveis. Eu sou apologista de ir a jogo, sempre - se perder, que seja por muito, porque é sinal que tentei tudo e lutei até ao fim. Aquilo que deixámos de fazer por medo ou vergonha pode pesar-nos mais do que aquilo que fizemos e correu mal.

4 comentários:

a gaija trendy disse...

Inspiradísima!

a gaija trendy disse...

Esqueci-me de um S

Calíope disse...

É por estas e por muitas outras que acho que és uma das pessoas mais interessantes que conheço :) Podes continuar a chamar-me de naïve e rancorosa, mas nunca me poupes das tuas palavras que eu bem preciso delas :)
Fechas com chave de ouro: eu não só concordo, como rejo a minha vida de há muitos anos para cá por esse princípio. Se Deus quiser não hei-de ser esmagada pela tormenta do "Se eu tivesse feito xxx".

Anónimo disse...

Este seu texto é muito bom, mas me deixou uma duvida. Será que estes amores tão intensos realmente existem? Ou será que se os episódios continuassem estes amores esfriariam como em todos os casamentos.
Sou casado e me apaixonei por outra pessoa. É a experiência mais devastadora que uma pessoa pode encontrar
Podem ter certeza, este amor romântico, idealizado, tipo novela das oito não existe mais, nem nas novelas das oito