17 agosto 2011

De maneiras que hoje fui ao cabeleireiro


Ir ao cabeleireiro é, para mim, um ritual que inclui a leitura de revistas do coração, com muita fotografia, pouco texto e as últimas novidades da vida da Charlene-que-casou-com-o-Alberto e da Kate-que-casou-com-o-William, da Lili Caneças e troupe, dos famosos que eu nunca vi mais gordos e das estrelinhas de ocasião, das roupinhas mais pipis da estação e de uma ou outra receita que acho interessante mas esqueço ainda antes de lavar o cabelo.

Ao desfolhar uma edição da Caras de Julho, deparei com este texto, intitulado "Pensar em si" da autoria de Isabel Leal, psicóloga, no qual me revi em vários pontos.

"Com alguma estranheza, vai-se ouvindo dizer a algumas pessoas que não pensam em si mesmas. Dizem que deixam os dias correr, sem tempo nem disponibilidade para se interrogarem se que fazem tem, de facto, sentido. Na lufa-lufa das tarefas que se sucedem e dos acontecimentos que não param, esticam os braços qual malabarista desajeitado e lá vão mantendo um modo de vida impositivo que, sendo o seu, os arrasta e leva de reboque.
É típico das mães de família que, por entre as múltiplas tarefas comuns a toda a gente, ainda têm que gerir 2 ou 3 crianças, com actividades extracurriculares, amiguinhos e festas de anos, doenças e más-disposições. Mas qualquer indivíduo sem filhos e sem casas para gerir consegue, com demasiada facilidade, enredar-se em rotinas que esmagam. Para qualquer um, nos tempos que correm, os dias de trabalho são longos, muito longos, e cheios de miudezas, de 'post-its' coloridos pendurados um pouco por todo o lado; de listas de coisas a fazer que nunca se acabam nem completam; de sentimentos de urgência em relação ao que já devia estar feito e não consegue sair da imaginária pasta dos assuntos pendentes; de uma vaga e difusa culpabilidade instalada, à pala das visitas e telefonemas que não se fazem, da assistência que não se dá a quem precisa e deve, da gentileza que não se consegue a maior parte das vezes.
No meio disto o que há com fartura é um clima de barata tonta, de atraso permanente, de estar em falha, de esquecer coisas. No meio disto, uma ida ao cabeleireiro, umas compras pessoais mais demoradas, uma conversa leve numa esplanada fora do tempo, tem sabor de delito, quase pecado. No meio disto, parece que até é razoável não se saber a quantas se anda, não ter a certeza para onde se vai, perder o pé e correr nos dias como se fossem os dias que tivesssem querer e nos levassem, nos puxassem.
Poder pensar significa, neste contexto, o ser capaz de algum afastamento afectivo em relação a uma espécie de realidade alucinada em que se cai, nem que seja por mera distracção. Quando isso se consegue, habitualmente em esforço e em exercício de controlo da vontade, torna-se possível não só pensar em nós como pensar em tudo o resto. Com muito bons resultados, diga-se."

É verdade, eu tenho listas intermináveis e repetitivas de coisas a fazer, não consigo escrever nem ligar a todas pessoas a quem acho que deveria, na altura adequada, passo a vida achar que a vida corre mais do que eu, esqueço-me de coisas em sítios estapafúrdios e chego ao fim de cada dia cansada de nada. Mas ainda sei desligar o botão e ir às compras, esplanar ou passar meia tarde no cabeleireiro, o que, a avaliar pelo que aqui se reproduz, é sinal de que estou menos doida do que imagino. Ufas, acho que até vou dormir mais tranquila :)

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