30 março 2011

A gataria na Irlanda

Maria

Afonso

Matilde

Condomínio felino de Galway

Das semelhanças entre a crises irlandesa e portuguesa

A propósito de um artigo de opinião que vários amigos partilharam no Facebook e que eu partilhei também dei por mim a reflectir sobre as semelhanças entre a crises irlandesa e portuguesa. Existem? Não existem? Existem "mais ou menos"? Honestamente, não sei de muitos detalhes financeiros ou económicos. Devem ter alguma coisa parecida, algures, ou não seriam "a crise". Ambas fizeram cair um governo, ambas obrigaram a medidas extraordinárias de contenção de despesas.
O que posso avaliar, como cidadã/residente e espectadora de ambas, é que a crise irlandesa, apesar de ter obrigado os irlandeses a apertar o cinto, reduzindo salários e benefícios e aumentando impostos, fazendo-os pensar duas vezes antes de comprar carros novos e férias no estrangeiro, não os deixou na penúria, a fazer malabarismos para conseguir ter comida em casa até ao fim do mês e pagar as contas. A crise em Portugal tem repercussões directas nas famílias de classe média, que já lutavam para pagar contas e alimentar-se. Há relatos constantes de famílias que perdem a casa por não pagar ao banco, de crianças que vão para a escola com fome, de mais e mais famílias a recorrer a instituições de solidariedade por não terem o que comer.

Sim, é verdade que em Portugal vendem-se telemóveis topo de gama e smartphones como pãezinhos quentes e novo iPad e este não chegou para as encomendas. Dados como estes dão sempre que pensar, sobretudo numa época de crise. Mas também é em Portugal que o IVA incide a taxas ditas reduzidas sobre os bens de primeira necessidade e a taxas intermédias ou altas sobre outros de consumo regular. Na Irlanda, a maioria dos produtos de primeira necessidade (pão, leite, frutas e legumes, carne, peixe, conservas) não pagam IVA; a água engarrafada paga IVA à taxa máxima, mas só porque o consumo doméstico de água é gratuito.

Na Irlanda, a crise é sentida por todos, mas de uma forma menos aguda do que em Portugal, porque o nível de vida era à partida muito superior. Aqui, até o canalizador que repara as avarias cá em casa vai de férias a Portugal, para jogar golfe. Quantos portugueses já vieram à Irlanda de férias, apesar do fascínio por tudo o que é celta?

Comparar países, povos, mentalidades e maneiras de estar é sempre complicado e peca-se sempre pela generalização e pela assimilação de coisas que não devem ser comparadas tão directamente. As expectativas de um irlandês são em muitas coisas diferentes das de um português. Na Irlanda, houve um tempo de vagas claramente gordas, que agora estão mais magras. Eu vivi em Portugal 32 anos - lembro-me de tempos de alguma euforia e de algum desafogo, mas sempre ouvi falar da crise, de problemas económicos, de o "país estar de tanga".

É costume encontrar na imprensa portuguesa uma espécie de justificação comparativa e que dá para tudo: "Portugal está mal mas não está sozinho, até porque a Irlanda e a Grécia estão bem pior", como se isso mudasse alguma coisa ou eximisse o país, os seus governantes e os seus cidadãos de encontrar uma saída para a crise. A minha mãe costuma dizer "com o mal dos outros posso eu bem, com o meu é que não posso". Tendo a concordar com ela.
Para aqueles que gostam de comparações directas, li há dias um texto que me pareceu interessante por algumas das comparações que faz:
- Em Portugal, o salário mínimo é de 475 euros/mês.
- Na Grécia, o salário mínimo é de 739 euros/mês.
- Na Irlanda, o salário mínimo é de 1326 euros/mês.
Dá que pensar.

Enquanto cidadã, desejo que o futuro próximo não traga a Portugal e aos portugueses mais restrições, porque tenho a sensação que o país não aguenta. Não sou especialmente favorável nem me oponho ao recurso ao FMI ou ao FEEF; mas também não me revejo numa postura de enfrentar a crise "orgulhosamente sós", demonizando as instâncias e os instrumentos internacionais. Algures no meio deve haver um equilíbrio.
(texto publicado ontem, como nota no Facebook)