- E assim estão as coisas, velho Kurt. Não fui capaz de cumprir a tua exigência. Não será feliz comigo nem eu serei feliz com ela. Há umas horas bebi dos seus lábios pela última vez e as palavras de amor não resistiram ao furacão da razão. Disse-lhe adeus e mordi a alma. Para não trair a vida, traí o amor e não me sinto orgulhoso do feito. Não sei o que será dela nem o que será de mim. Ignoro se a sua dor tornará a minha mais insuportável, ou se a minha será o sacrifício para que a sua cesse. Não conheço os ventos que varrem as derrotas, nem de onde sopram, nem se os quero esperar de asas abertas. Sinto muito, velho Kurt, fujo, sem rumo nem leme, fujo. Talvez amanhã diga que finalmente a esqueci, até que os seus olhos brilhem no fundo de um copo. Talvez erga a minha casa noutras terras, até que o mar me sussure a textura dos seus lábios. Talvez acenda a lareira, convoque a minha gente e as sombras daqueles que amo me recordem a sua ausência. Mas resta-me um consolo que me une ao teu destino: a certeza de que só tu e eu temos direito de brindar por ela. Saúde! Prosit, camarada!
Luís Sepúlveda, in «A Ilha», A Lâmpada de Aladino